sábado, 29 de novembro de 2008

Gordo ou magro?


Esses dias, vovó recebia uma visita aqui em casa. A conversa se estendia na sala enquanto eu, envolvido com as gravações do último filme, estava no computador, sempre de ouvido em pé.
Vovó e a visita conversavam sobre vários assuntos. No início foi o clima. (clima, aliás, quase sempre é início de conversa).
_Que chuva não?
_Ô!
_E o pior é que não pára! Chove um pouco, depois chove de novo!
_O meteorologista disse ontem na tv, que a previsão é de chuva para a nossa região nos próximos dias!
O papo continuou e eu já me sentia incluso na conversa entre as duas. Me sentia um íntimo oculto. Um ouvinte sem palavras, sem gestos e sem ação. (aliás, eu quase sempre me sinto assim quando estou diante de pessoas que não conheço bem). Vovó continuou relatando as duas últimas mortes que aconteceram em nossa família. (note que os assuntos até variam, mas os tons continuam os mesmos). Minha vó falava de como foi ruim ver seu irmão partir. A visita foi logo consolando-a e, confesso, também me emocionei. Raramente converso com vovó, mas sempre ouço ela contar casos para os outros. Quando recebo amigos (adooro) e outras pessoas em casa, conheço sempre um lado da vovó que nem eu mesmo conhecia. Ela deixa meus amigos tão a vontade que eu sinto na obrigação de agradecer (e quase sempre eu esqueço, aliás, nem me recordo da última vez que disse isso à ela).
O fato é que, a visita ia fazendo uma novela na cabeça diante dos detalhes e da emoção transmitida por vovó.Os fatos foram se desenrolando até que os assuntos mudaram.A visita passou a perguntar sobre pessoas, conhecidos antigos e vovó lembrava de todos. Vovó sempre teve uma memória brilhante e eu sempre admirei isso, às vezes, ela lembra de coisas que nem eu recordava mais. Acho isso fascinante!
A visita perguntava:
_E aquela moça...aquela mocinha boa que trabalhava na fazenda...?
_Jaci?
_Isso!
O papo continuava e a visita fazia questão de ficar perguntando sobre a vida daquelas pessoas que vovó lembrava tão bem.Até que chegou num ponto que eu percebi algo engraçado, talvez não.
_E ela tá gorda?
Minha vó falava, desconcertada:
_olha, ela tem feito uns regimes...
A visita fazia a memória de vovó trabalhar ainda mais:
_E a fulana? Continua magra?
_Olha, ela tava bem cheiinha da última vez que a vi!
E assim a conversa foi seguindo. Eu, do quarto sempre ouvia quando a visita disparava: “Ela está magra ou gorda?”Coisa esquisita! O que isso pode acrescentar no assunto? Gordo, magro, velha, nova, baixo, alto...e os sentimentos? Não que eu recrimine quem fale de magreza ou gordura (eu também falo, sou humano pô), mas ficar lembrando nomes e pessoas e perguntar se está gorda ou magra atualmente, já é demais! Aliás, até que seria interessante. Imagine que sua melhor amiga ou amigo tenha viajado e você não o vê há uns dez anos (exagerei?). Qual seria sua reação quando o (a) visse depois desse tempo um tanto cheia, digamos que uns dez quilo a mais? (só pra ter uma relação de equilíbrio: 1 quilo/ano).Seria uma surpresa e tanto não?
Mas talvez a curiosidade em saber se fulana está magra ou gorda supra a baixa auto-estima de se olhar no espelho e pensar: Ó meu Deus! Será que minhas amigas do passado estão mais magras que eu?
Pensar assim ou escrever sobre isso talvez seja complicado. Talvez esteja até cometendo um pecado em generalizar dessa maneira. Aliás, não há pecado nenhum comer um pouco mais além da conta. Comer é tão bom e faz tão bem!
A conversa entre a visita e vovó acabou me dando fome. Corri pra cozinha. Encontrei um bolo de laranja dando sopa, comi quase a metade!
Continuei a pensar sobre o comentário e a conversa que se desenrolava, ainda na sala de estar. Ouvia, ao longe, palavras como: dieta, regime, enfim.
O que me preocupava é que, em pleno século XXI, ainda existem pessoas que sentam e que, "perdem seu tempo" em discutir se fulano ou beltrano estão gordas ou não. E o mundo? Será que está magro, gordo? Será que precisa de dieta? De mudança? E as senhoras? Aliás, a senhora? (a visita não era nem um pouco magra!)
Vovó sempre seguiu a linha Olívia-Palito. Não que ela queira, mas é que já é habito dela comer pouco, herdei isso - em parte, assumo. Sempre esteve preocupada com os afazeres de casa, com o entra e sai de pessoas.Sempre trabalhou muito, está ajudando os vizinhos e as crianças que vivem se machucando na rua.
Enfim, voltei ao quarto e a conversa prossseguia no mesmo ritmo, no mesmo assunto. Gordura x magreza: eis a questão, eis o assunto.
Percebi uma movimentação suspeita e que o som vindo da conversa na sala havia diminuído. A visita já não estava mais ali. As duas (visita e vovó) haviam se dirigido para uma outra parte da casa, a cozinha. Olhei da greta da porta:ambas comiam a outra metade do bolo sem culpa e com muita gana, com coisa eu não viam um bolo de laranja há anos.Ê saudade!
Assunto encerrado - com umas gramas a mais, é verdade.
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.E viva a liberdade!

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