domingo, 14 de junho de 2009

Pensamentos infantis

Muitas vezes acho que sou estranho. Estranho não seria a palavra ideal. Mas, sim diferente. Isso! Eu me sentia diferente. Tudo era comigo! Tudo acontecia comigo! Ou melhor, na-da acontecia comigo. Desde criança eu nunca soube ou consegui levantar uma pipa. Inúmeras eram as rabiolas presas nos galhos das árvores, ou então dos arranhões e machucados no joelho por sair correndo com a pipa no ar, com a linha em punho. Eu não olhava para frente, só fixava meus olhos àquela “obra de arte” , àquela arquitetura indecifrável feita de bambu e papel de seda. Quantas vezes caí, quantas vezes chorei, cantei.
Gosto muito de lembrar dessa fase da minha vida. Adoro e gostei muito da minha infância. Aliás, acho que ainda vivo ela. Não me considero uma “criança-grande”, mas, se pensarmos bem, vamos notar que somos as mesmas pessoas, com as mesmas vontades, mesmas manias (mesmo inconscientes). Os rostos (é claro) mudam, aliás, devem mudar. Mas os nossos medos infantis, as taras, os desejos, creio eu, que continuam. Certas pessoas mudam radicalmente. Mas eu, particularmente, sou daqueles que carrega bastante coisa do passado.Eu consigo lembrar perfeitamente das noites que passava desenhando, pintando não-sei-o-que. E é somente quando adultos é que percebemos o quão bom era aquela arte indecifrável. Aquela vontade absurda de rasgar papel, de pintar o nada, fazer rabiscos (muitas vezes na parede), sonhar, chorar, sentir fome, gritar, deixar as coisas caírem e fazer cara de santo, cara de “meu Deus, o que eu fiz?”, cara de medo, vontade de sumir. E a única expressão que conseguimos esboçar é de: “Desculpa, foi sem querer”.
Como eram magníficos os pensamentos infantis. Tínhamos medo de tantas coisas, medo de lençóis, de geladeira, de luz, sombra, calor e frio. Tínhamos medo dos personagens, dos barulhos que o vazio existencial provocava, dos ventos estranhos, da solidão, da televisão, do rádio...
Concordo que de veras muita coisa mudou. Não tenho tantos medos. Mas continuo sendo a pessoa mais desastrada desse mundo! Consigo derrubar coisas e tropeçar em coisas invisíveis com uma facilidade absurda. Tenho medo de microfone, de cachorro e muito, mas muito medo de errar, fracassar e não realizar coisas na vida que, para mim, são essenciais. Casar, ter filhos, ter cachorros (sim, ainda tenho medo deles, mas vivo em contradição), comer pipocas queimadas feitas pelo seu amor, amar e ter uma casa linda no campo, casa de madeira, sem luxo e com muita simplicidade. Todos nós temos sonhos.
Quando criança tinha muitos sonhos, mas não sabia defini-los. Eu tentava alcançá-los do meu jeito. Cresci cercado de papéis e idéias pra lá de malucas. Aos 6 anos eu cismava em criar uma casa numa árvore do quintal que não passava de dois metros de altura. Tolice? Talvez. Os sonhos não eram inatingíveis. A gente só imaginava demais. E sinto muita falta dessas imaginações antigas, infantis. Confesso que, de vez em quando surgem imaginações advindas dela. Muitas vezes tenho umas idéias absurdas, dessas que não cabem no padrão de “normalidade” do mundo moderno. E eu não parava. Não sosseguei enquanto não vi, preso à arvore, um balanço, feito com maestria pelo avô. O balanço só tinha uma corda e um toco de madeira. A corda era amarrada bem no centro do toco que ficava de forma horizontal. Bastava enfiar as pernas entre a corda e pegar impulso. Que diversão!
Saudades, quantas saudades. Saudades daquelas imaginações que, ao passar do tempo, foram ganhando formas, contornos. Foram virando palavras, se desdobrando em frases, textos...Eu comecei a escrever!
O que verdadeiramente me encanta em crianças é a imaginação e a vontade que possuem de criar. Afirmo que fui uma criança bem criadora. Cresci fascinado por Natal, épocas festivas, épocas simbólicas, decorativas. Adorava planejar as festas, criar as coisas, pintar, escrever...Já brinquei muito também, chorei bastante, dormi muito e acordei sem ter caminho algum. Mas o que realmente movia (e move) a minha capacidade criadora é a gana de dominar o mundo, dominar meus pensamentos, dominar situações, dominar personagens e uma fábula inteira através de coisas tão simples como o ato simbólico e humanamente instintivo de tocar num lápis ou teclado e deixar suas mãos e dedos dançarem nessa maravilhosa sinfonia da escrita.

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