segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Excesso e exceção

Nunca fui muito de falar, até dentro de casa. Sempre fui de observar e escrever. Quando alfabetizado, escrevia nas paredes e me arriscava numa velha máquina de escrever do meu avô, guardada numa maleta empoeirada debaixo da sua cama. Eu já sonhava em ser escritor.

Casado há mais de 62 anos, meu avô é um exemplo. Ele, que já foi agricultor é, hoje, um grande artesão, um excelente poeta e meu maior orgulho. A sua força e o seu trabalho me inspiram.

Certa vez escrevi no papel tudo o que sentia sobre ele. Aproveitei que estava num raro momento de descanso e, tímido, lhe entreguei o escrito. Minutos depois de ter iniciado a leitura, lágrimas escorreram dos seus olhos.

-Você me deixou emocionado. – ele disse. Eu, também emocionado, não sabia o que dizer.

Sua emoção fez-me acreditar no meu próprio sentimento. Nunca imaginei que eu, um neto aparentemente quieto, pudesse fazer meu avô se emocionar tanto ao ler tudo aquilo que era, na verdade, um relato de um estranho observador, um próximo distante, um neto apaixonado.

Se hoje, prefiro escrever a falar, devo isso ao meu avô, à sua gama de dominar as palavras, criar personagens, poemas, histórias e fábulas inteiras através da escrita.

Minha mãe, sábia professora, também é outra referência. Certa vez me relatou que, no passado, já chegou a ter que escrever em papel de pão. Moravam todos na roça, onde as dificuldades eram maiores, mas nem por isso, insuperáveis.

Recentemente sonhei que havia perdido a voz. Acordei meio perturbado, mas confesso que, não me senti tão mal. A língua é um artifício importantíssimo e a voz, é claro, é essencial para o ser humano, mas fim do mundo seria se eu não pudesse externar tudo o que sinto no papel. Nele me expresso exatamente do jeito que pensei e observei.

Prefiro escrever a aparecer, prefiro ensaiar, cenografar, produzir e gravar do que ser o ator principal, o mocinho ou o vilão. Prefiro ficar atrás das cortinas, na coxia. Devo ser uma exceção. E como! Certa vez, no colegial, tremendo de nervoso por ser obrigado a falar em público, deixei o microfone cair. Ninguém suportou o barulho! Chamei muito mais atenção. Que constrangimento!

No namoro também falo pouco. Acho até que as mulheres preferem aqueles que “comem quietos” a um Don Juan falastrão, que promete muito e cumpre pouco. Sou homem de pouca fala e muitas palavras.

Já me confessei, como todo bom cristão-católico, mas foi só uma vez, quando o ato era requisito para a primeira eucaristia. Depois disso só me confessei no meu blog que, quieto, suporta todas as minhas blasfêmias, minha prolixidade. O texto é a minha voz e eu não dependo tanto ser ouvido, mas de ser, simplesmente, lido.

É difícil pensar numa sociedade que não fala e só escreve, mas é possível admitir que alguns tenham mais facilidade na escrita do que na língua. Outros tantos também podem discursar como um político, mas escrever como um analfabeto. E é terrível ter de pensar que, ainda hoje, existem analfabetos, gente que depende da fala e só.

Tenho muito mais medo de perder a escrita do que perder a fala. Na escrita nada falha. Sempre haverá uma velha máquina de escrever que funciona ou um papel de pão no fundo da gaveta esperando ser desamassado para algum fim.

Sei que muitos querem ter voz. Espanto-me ao ver meus colegas de classe se engalfinhando para expressarem suas opiniões e defendê-las arduamente durante as aulas, ou os políticos clamando por mais espaço na TV. Porém, quando eu escrevo, escrevo pra valer e também protesto, do meu jeito, por mais espaço.

É aterrorizante quando os professores de redação impõem severos limites de espaço. O Word, neste caso, é meu inimigo. Quando é escrito à mão, no papel, espremo as letras. As palavras ficam sufocadíssimas nas linhas. O espaçamento entre uma palavra e outra fica mínimo, abrevio certos quês e algumas palavras que soam repetitivas. No final, sempre acho que tudo o que fiz fez o texto perder o sentido querido.

Mas ainda bem que não existe limite para quem gosta de escrever, que o Word não tem finitude e que, nas madrugadas insones da vida, posso, silenciosamente, escrever, escrever e escrever sem ter que, como um louco, ficar falando sozinho.

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