quinta-feira, 8 de abril de 2010

Discurso rodoviário

Depois de uma viagem de oito horas dentro de um ônibus que, embora agradavelmente frio, era desagradavelmente desconfortável, chego na rodoviária de Vitória às cinco da manhã. Rodoviárias. Minha sina. Impossível romper (ainda) esse vínculo com as tão agradáveis estações de ônibus.
Pegaria próximo ônibus às seis. Sem ressentimentos. Espero com calma. Paciente. Impossível não perceber e constatar, mais uma vez, a precariedade de uma das maiores (se não a maior) rodoviária capixaba. Nenhuma segurança.
Sem, absolutamente nada para fazer, pensei em ligar o laptop. Escrever, que saudade! Lembrei dos conselhos de amigos. A rodoviária de vitória é realmente um caos, aberta, escura, estranha. Repensei e guardei o computador junto às coisas. E se eu ligar para alguém, conversar? Mas quem me atenderia às cinco e vinte da manha?
Eu estava me sentindo absolutamente desprotegido. Insegurança. Insegurança que aparece numa fase em que estamos um pouco mais independentes, mesmo que, financeiramente, esteja dependente dos pais.
Eu estava com uma fome absurda. Fome de gente que não consegue dormir bem numa viagem noturna. Fome de gente que madruga. Nada para comer, nenhuma lanchonete próxima, na-da. Olhei aquela rodoviária toda. Tudo silencioso na manhã da capital espírito-santense, mas a rodoviária lembrava um inferno. Parecia um céu nublado, pessoas incomuns, gente pobre e sedenta abordando as pessoas. Às vezes não tendo o que comer, outras vezes não tendo a humildade e a vergonha na cara.
Passara um tempo, fui comprar a passagem para Cachoeiro de Itapemirim. O guichê estava próximo. Abri a carteira, paguei, voltei ao meu lugar, sentei-me, a carteira continuava aberta em meu colo. Em menos de 10 segundos uma garota apareceu na minha frente, me abordando. “não queria te assustar”, ela disse. Mas conseguiu.
A menina vestia umas roupas amarronzadas, um lenço na cabeça, andava descalça. Tinha uma cara feia, olhos quase fechados.
__Olha, não vou ter roubar, nem pedir dinheiro. – não era a primeira vez que me abordavam ali, naquela fédida rodoviária. O discurso era sempre o mesmo. – só quero um trocado pra comprar um café. – ela disse sendo controversa. Não quer pedir dinheiro, mas me pediu um trocado. Trocado não é dinheiro?
Confesso que sou mesmo muito ingênuo, careta. Não esboço nenhuma palavra quando o assunto é pedinte mal encarado. Abro a carteira imediatamente e dou a primeira nota que vejo na frente. Entrego a grana sem nem olhar para a sujeita.
Mal lembro se ela agradeceu. Mas disse: “não deixa a carteira à mostra, tem muito bandido por aqui”. Ok. Ela realmente me deixou muito, muito tranqüilo.
Passado alguns segundos de angústia, guardei a carteira, e me agarrei junto às malas feito um desesperado. Desprovido de segurança. Olhei para os lados. Vi a mesma garota pedindo outras pessoas mais à frente. O mesmo discurso.
Olhei embasbacado a ousadia da menina. Percebi que era uma das maneiras mais fáceis de se viver e ganhar dinheiro. Naquele vai e vém de pessoas, deveria ser comum encontrar pessoas que, como eu, estavam preocupadas com a fome das pessoas neste país, ingênuos, caretas, idiotas, coitados.
Meu próximo ônibus chegou, entrei ainda observando a garota chegar até o final do saguão. Acho que ela já podia comemorar. Havia tido um bom rendimento, lucro suficiente para ter um luxuoso café da manhã. Eu, um dos patrocinadores, viajava para casa com inveja, com estômago gritando de fome.

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