sexta-feira, 23 de abril de 2010

Vergonha e descaso no Teatro de Muqui.


Acho um descaso com a cultura capixaba o impecável ‘Teatro de Muqui’ estar construído e desativado, sem uso desde que o conheço. Uns dizem que nada pode ser apresentado no local porque ainda faltam adequações. Mas, visto de longe, (ou melhor, visto de perto), o teatro não tem impedimento algum, nada que delimite o início de exibições de peças que podem ser constituídas, elaboradas e produzidas por uma grade de jovens que, no município, já desenvolvem trabalhos relacionados à produção cinematográfica, ficcional e teatral.
Cresci admirando as representações artísticas e culturais da minha cidade. Com o tempo passei a cultivar e olhar de maneira diferenciada o rico patrimônio histórico de Muqui. O prédio utilizado para a instalação do teatro é uma construção de 1926. Uma belíssima representação arquitetônica construída no ano de nascimento de meu avô. Avô que, cresceu sem teatro, sem instituições culturais, sem impulso, mas que desenvolveu sozinho o seu dom. Meu vô Juvenal será o meu melhor poeta, a minha melhor inspiração, meu pai-avô-educador.
E se aqueles que cresceram sem o aparato estatal cultural conseguiram desenvolver sua veia artística, porque, hoje, não podemos utilizar esse aparato, essa base fornecida pelo estado, para desenvolver e abranger, divulgar e fazer crescer o movimento artístico da pequenina cidade de treze mil habitantes?
A juventude da cidade se dissipa aos poucos. Muitos buscam sua carreira em cidades próximas, faculdade, emprego. Mas, os mesmos que se dissipam se unem, em momentos oportunos, para discussão sobre o desenvolvimento artístico da cidade. E o teatro? Perguntamos. Nada vemos, nada temos. Ele está lá, montado. Cadeiras novinhas, cortinas, palco, luz. Do que mais precisamos?
Há tempos a construção do teatro engatinha, mas me parece que, em pleno ano de 2010 ele está finalizado. 2006, 2007, 2008, 2009...Não sei ao certo o que está acontecendo, o que impede que ele seja “entregue” para a população como um presente ansiosamente aguardado. Não fazem questão (seja o estado ou o município em si, personificado na figura do prefeito e governador, tal como as secretarias de cultura) de informar à população como um todo o que procede, o que impede, qual as dificuldades... A população também não cumpre o seu papel, não questiona, não cobra. Mas acho difícil as pessoas cobrarem, questionarem algo que, realmente não vêem. Espantei-me ao perceber a quantidade de pessoas que desconhecem o teatro, sua estrutura que já está em perfeito estado para apresentação de peças. As pessoas não sabem o que há la dentro daquele prédio, desconhecem tudo, nem imaginam que havia um teatro em construção na cidade há anos.
É difícil questionar, cobrar por algo que não conhecemos, por algo que não sabemos. Infelizmente é o que acontece com muita coisa no Brasil. Muito dinheiro jogado fora, e muitos adolescentes apresentando suas peças de forma precária nas ruas da cidade, em lugares incomuns, condicionados ao Salão Paroquial da paróquia de tantas cidadelas desse país.
O povo muquiense não precisa de um teatro com todas as exigências de um mega-teatro, de uma estrutura gigantesca. Se eu fosse descrever o que realmente percebo é o seguinte: O teatro de Muqui está pronto. Está tudo lindo, cadeiras, mesa de controle, cortinas, camarins. Tudo! E está assim desde que o vi em 2008. Até hoje não sei quem controla o local, de onde veio a verba para a elaboração do teatro. Alguns me dizem que o prefeito da cidade não liberou um dinheiro que era necessário para uns últimos ajustes, outros dizem que ainda não encontraram pessoas certas para a administração do local, outros que ele ainda não está pronto por causa de algumas exigências como “saída de emergência” enfim.
Penso que, as peças, as obras artísticas da cidade continuariam ocorrendo perfeitamente se não houvesse um teatro, se não houvesse um prédio que destinasse seus espaços para a elaboração artística. Penso que a juventude muquiense continuaria, através de seus recursos (que são poucos) a exercitar a arte de uma maneira bem criativa, diferente e, mesmo assim, inovadora. Mas, já que há um aparato bacana para abrigar esse pessoal da arte e da cultura, já que há um teatro propriamente dito, espaço para as pessoas, espaço para o desenvolvimento da arte...porque não utilizá-lo? E se isso não é viável, porque não apontam os problemas? Porque não esclarecem? Porque não dão um aviso? Não informam?
E a cidade continua no mesmo marasmo, no mesmo vai-e-vem de carros, carroças e animais. No mesmo chão onde nascem e crescem raízes, veias artísticas herdadas por pessoas de sangue talentoso. Na terra condenada ao descaso, há ausência de coordenadores, de administradores, de secretários, subsecretários de pulso forte, há presença de todo um aparato administrativo morto (assim como em várias cidades interioranas).
É difícil prever o futuro das coisas, mas é fácil pensar nas tantas pessoas que não fazem a mínima questão em oferecer o que há de melhor no mercado artístico, para aqueles que carecem, não só de espaço físico, mas de incentivo, orgulho, sentimento de pertença.
É por essas e outras razões que, apesar de tudo (falta de incentivo, falta de estrutura, falta, falta e falta..) acredito na cultura capixaba, no seu crescimento e na sua transformação. Faço um minuto de silêncio para pensar nos teatros construídos pelo Brasil e que estão assim, construídos e largados. Teatros fantasmas, ficcionais. Teatros que viram lenda, museu, mito, caverna obscura que vela possibilidades múltiplas de encantamento e emoção.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Discurso rodoviário

Depois de uma viagem de oito horas dentro de um ônibus que, embora agradavelmente frio, era desagradavelmente desconfortável, chego na rodoviária de Vitória às cinco da manhã. Rodoviárias. Minha sina. Impossível romper (ainda) esse vínculo com as tão agradáveis estações de ônibus.
Pegaria próximo ônibus às seis. Sem ressentimentos. Espero com calma. Paciente. Impossível não perceber e constatar, mais uma vez, a precariedade de uma das maiores (se não a maior) rodoviária capixaba. Nenhuma segurança.
Sem, absolutamente nada para fazer, pensei em ligar o laptop. Escrever, que saudade! Lembrei dos conselhos de amigos. A rodoviária de vitória é realmente um caos, aberta, escura, estranha. Repensei e guardei o computador junto às coisas. E se eu ligar para alguém, conversar? Mas quem me atenderia às cinco e vinte da manha?
Eu estava me sentindo absolutamente desprotegido. Insegurança. Insegurança que aparece numa fase em que estamos um pouco mais independentes, mesmo que, financeiramente, esteja dependente dos pais.
Eu estava com uma fome absurda. Fome de gente que não consegue dormir bem numa viagem noturna. Fome de gente que madruga. Nada para comer, nenhuma lanchonete próxima, na-da. Olhei aquela rodoviária toda. Tudo silencioso na manhã da capital espírito-santense, mas a rodoviária lembrava um inferno. Parecia um céu nublado, pessoas incomuns, gente pobre e sedenta abordando as pessoas. Às vezes não tendo o que comer, outras vezes não tendo a humildade e a vergonha na cara.
Passara um tempo, fui comprar a passagem para Cachoeiro de Itapemirim. O guichê estava próximo. Abri a carteira, paguei, voltei ao meu lugar, sentei-me, a carteira continuava aberta em meu colo. Em menos de 10 segundos uma garota apareceu na minha frente, me abordando. “não queria te assustar”, ela disse. Mas conseguiu.
A menina vestia umas roupas amarronzadas, um lenço na cabeça, andava descalça. Tinha uma cara feia, olhos quase fechados.
__Olha, não vou ter roubar, nem pedir dinheiro. – não era a primeira vez que me abordavam ali, naquela fédida rodoviária. O discurso era sempre o mesmo. – só quero um trocado pra comprar um café. – ela disse sendo controversa. Não quer pedir dinheiro, mas me pediu um trocado. Trocado não é dinheiro?
Confesso que sou mesmo muito ingênuo, careta. Não esboço nenhuma palavra quando o assunto é pedinte mal encarado. Abro a carteira imediatamente e dou a primeira nota que vejo na frente. Entrego a grana sem nem olhar para a sujeita.
Mal lembro se ela agradeceu. Mas disse: “não deixa a carteira à mostra, tem muito bandido por aqui”. Ok. Ela realmente me deixou muito, muito tranqüilo.
Passado alguns segundos de angústia, guardei a carteira, e me agarrei junto às malas feito um desesperado. Desprovido de segurança. Olhei para os lados. Vi a mesma garota pedindo outras pessoas mais à frente. O mesmo discurso.
Olhei embasbacado a ousadia da menina. Percebi que era uma das maneiras mais fáceis de se viver e ganhar dinheiro. Naquele vai e vém de pessoas, deveria ser comum encontrar pessoas que, como eu, estavam preocupadas com a fome das pessoas neste país, ingênuos, caretas, idiotas, coitados.
Meu próximo ônibus chegou, entrei ainda observando a garota chegar até o final do saguão. Acho que ela já podia comemorar. Havia tido um bom rendimento, lucro suficiente para ter um luxuoso café da manhã. Eu, um dos patrocinadores, viajava para casa com inveja, com estômago gritando de fome.